No dia 02 de fevereiro, celebra-se Nossa Senhora dos Navegantes em variadas regiões do Brasil. Sabe-se que todas as NSs são qualidades, títulos atribuídos à Virgem Maria. Assim sendo, Nossa Senhora dos Navegantes é a qualidade evocada da Virgem em determinadas regiões e contextos, sobretudo em travessias de mares e rios.
A origem deste título remonta o século XV. Os portugueses que viajavam pelo mar pediam proteção à Nossa Senhora para retornarem aos seus lares. Maria era vista como protetora das tempestades e demais perigos que o mar e os rios ofereciam.
Nossa Senhora dos Navegantes é também conhecida pelo nome de Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Boa Viagem; Nossa Senhora da Boa Esperança, Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora da Esperança.
Note que a devoção se estende a rios e mares. De igual forma, os rios são o ponto de encontro de culto a diversas divindades do povo Yorubá. E é na força dos rios que Inhaçã, Oxum, Iemanjá e Nanã se encontram.
Não por um caso, na Umbanda nos referimos a todas elas, quando evocamos a Linha D’Água. Em tradições mais antigas, não havia cultos em separado para cada uma . Na Linha D’água, todas as “santas”, como assim diziam, manifestavam-se: falangeiras, caboclas, sereias e tarimas.
Atualmente há um debate sobre a manifestação de sereias na Umbanda ser algo ilegítimo por ser uma figura mítica europeia. Porém, devemos lembrar que na linha d’água Nossa Senhora dos Navegantes se difunde não apenas a Iemanjá, mas às Iaras e todos os demais seres encantados oriundos dos rios, como constam em nossas mitologias indígenas, desde antes da colonização.
Nas mitologias yorubá, Iemanjá é mãe absoluta das águas e todos os orixás. Seus cultos são prestados nos rios, sendo os mares em suas profundezas regidos por Olokun, divindade masculina das profundezas dos oceanos, e que na Umbanda corresponde a Tarimã, regente da linha do povo do mar.
As mitologias africanas apresentam uma singularidade de assimilação de atributos entre divindades. Logo, Iemanjá, filha de Nanã, é também sua mãe, assim como é mãe de todos os demais orixás. E é por este motivo que na Umbanda associamos Iemanjá a Oxalá nos ritos de coroa, pois consideramos ambos regentes de toda humanidade, sendo as primeiras forças evocadas e trabalhadas na coroa em ritos e como os batismos, sendo também as primeiras forças a abençoar todos os nossos sacramentos. E é por isto que costumamos reforçar que todos somos filhos de Oxalá e Iemanjá. Se todos os orixás são seus filhos, nossas coroas são primariamente regidas por ambos.
Na Umbanda, associamos Iemanjá à força da criação da vida, à fertilidade, à limpeza e pureza pela força das águas, regendo a união familiar, enquanto a grande matrona dos orixás. Por esta razão, evocamos sua força em ritos de limpeza física e espiritual com a força das águas, e também para a união, harmonia e proteção familiar.
Nas incorporações em nossa linhagem, quando chamamos Iemanjá, temos a incorporação de tarimas e sereias. A incorporação das tarimas ocorre em pé ou sentada, podendo a entidade ocasionalmente sentar-se ou ajoelhar-se ao chão para trabalhar o ambiente na força das águas astrais. Podem ser silentes ou podem emanar um canto lamentoso, que expressa o movimento de purificação. Já as sereias, trabalham no chão durante toda a incorporação, tendo uma manifestação bastante singular. Ao contrário do que dizem, é uma incorporação muito específica e firme, em nada se assemelha a “peixes se debatendo fora da água”. O movimento de purificação das sereias é mistério para aqueles de olhar mais atento. Seu canto pode ser impactante e nada lírico, remetendo aos mistérios implacáveis das Iaras.
A linha de marinheiros merece um capítulo à parte. São manifestações de entidades humanizadas, com entrecruzamentos em diversas falanges: povo de rua (trabalhadores do cais), do mar (marinheiros), dos lagos e rios (pescadores e ribeirinhos), etc. Esta linha, para tradições mais antigas, é uma falange da Linha do Oriente chefiada por Xangô-Caô, força regente dos povos do Oriente, pois abrange os navegantes exploradores, os grandes responsáveis por desbravar continentes e levar culturas longínquas a diversos povos. Para saber mais, consulte nosso texto sobre a Linha do Oriente.
Salve a mãe das mães. Odociaba, iemanjá!
Autoria: Mãe Aline Camargo, Tuxaua da Tenda de Umbanda Caboclo Risca Fogo