Xangô

Xangô São Jerônimo

Junho é um mês extremamente rico em sincretismos nas tradições de Umbanda. Mês de Xangô, sincretizado em todos os santos dos festejos juninos (Santo Antônio, São João e São Pedro), muito embora na Umbanda paulista a iconografia mais referenciada seja a de São Jerônimo (celebrado pela Igreja Católica em 30/09).

Mas os sincretismos não encerram por aí. Santo Antônio também é sincretizado com Exu em muitas regiões do Brasil, em cultos diversos.

Há de se considerar a inegável relação entre Exu e a linha dos Pretos Velhos (o que é evidente não apenas na linha de Pinga Fogo – ou Pretos Velhos Quimbandeiros,  mas em toda a linha das Santas Almas Benditas – linha de ancestralidade e de encaminhamento de almas), cujo ponto de forças (Cruzeiro da Calunga) faz valer todo o cruzamento entre essas correntes.

A Linha das Santas Almas, aliás, guarda essa complexidade, muitas vezes incompreendida. E essa relação com esquerda, santos católicos e pretos velhos não se trata de nenhuma teoria doutrinária de pai de santo influencer, não.

Encontramos todas essas referências nos pontos cantados, os antigos e tradicionais. E, quanto mais antigos, mais frequentes são as referências híbridas e sincréticas.

O que torna ainda mais interessante essa rede sincrética é a presença de Xangô, reverenciado em outros cultos como o rei dos Egunguns – ou seja, estamos falando também de ancestralidade, de culto ancestral.

Não por um acaso temos uma sequência muito lógica no calendário festivo de Umbanda, no qual os Pretos Velhos abrem os trabalhos (em nossa linhagem, inclusive, abrimos sempre qualquer gira os saudando primeiro, como forma de reverência ancestral, o que também inclui Exu, previamente firmado em todos os trabalhos).

Logo após o 13 de maio, louvamos a Xangô e encerramos o mês de junho prestando nosso culto a Exu.

Xangô tem seu ponto de forças nas pedreiras, no reino mineral, e profunda relação com Oxum (reino das cachoeiras), Iansã (senhora dos ancestrais), a linha das almas (através de São Pedro, sincretizado pela sua narrativa enquanto guardião dos portões do céu), e Exu (sincretizado na força de Santo Antônio).

Em nossa vertente de Umbanda, Xangô é cultuado não por qualidades, mas por representantes de forças regidas por uma única falange, a falange de Xangô.

Em nossa tradição, cultuamos Xangô enquanto um ente nascido e humanizado, chefe da falange da justiça, composta de caboclos e todas as entidades que trabalham sob sua regência, como pretos velhos, baianos, erês, exus,  etc.

Xangô tem seu ponto de forças no reino mineral, nas pedreiras, nas pedras das cachoeiras, nas rochas, montanhas, serras, colinas, chapadas. A simbologia da pedra é autoexplicativa: Xangô é lei e justiça, e esta é sólida, imutável e severa. 

Xangô possui uma força ígnea, presente também nos itans (lendas africanas). Sendo o senhor do fogo e dos trovões, e grande autoridade sobre os ancestrais (Egunguns), Xangô permite um cruzamento perfeito e natural de suas forças com a linha de boiadeiros.

Boiadeiros são nossos ancestrais, cavaleiros do sertão, da roça, do campo, da mata aberta, das campinas, das pastagens, mas também das matas fechadas (o que permite, também um cruzamento natural com o reino de Oxóssi e com as estradas de Ogum). São desbravadores, destemidos e muito conhecidos por sua energia quente e vibrante.

A associação com o bovino é imediata, tanto pelos itans de Xangô ao dominar e matar um touro feroz, quanto pela associação do animal domado pelo boiadeiro.

O boi, aos boiadeiros, é uma metáfora que chamamos, no universo de Umbanda, de “mistério”. Há em pontos cantados a analogia de boi com demandas, espíritos obsessores, espíritos domados (escravos de falanges) e até oferendas e firmezas. 

Não por um acaso, os boiadeiros são muito conhecidos por trabalhos de literalmente laçar espíritos perdidos, errantes e perturbadores. Com sua energia quente, trabalham muito com desmanche de feitiços e  quebra de demandas.

Além dos boiadeiros, importante registrar nossa reverência a todas as entidades que trabalham sob a regência da falange de Xangô.

Xangô guarda uma profunda relação não apenas com os Santos Juninos

São Pedro, Santo Antônio e São João, mas também Ogum Dilê (Ogum que vibra na força da Justiça) e Iansã (pelos itans com Xangô, mas principalmente pela sua atuação no reino dos ancestrais) e Oxum (pelos itãns, mas principalmente pelo compartilhamento do ponto de forças nas pedras das cachoeiras).

Por ser a irradiação suprema da justiça divina sobre os homens, nunca devemos clamar justiça a Xangô, pois as paixões humanas nos limitam a ter o discernimento do justo e injusto. Ao clamar por justiça, podemos sofrer o golpe do machado de Xangô, que decide em favor de quem realmente merece, e não de quem pensamos que deva merecer.

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