Não vamos nos dirigir aos itans. Vamos nos dirigir ao que cabe à Umbanda, entender a massa sincrética, a forma que ela sintetiza suas origens e se constrói, ao longo da história da religiosidade de nosso povo.
Omolu, o velho feiticeiro. Xapanã, o jovem guerreiro temido e sanguinário: ambos o ápice do sol do meio dia, a energia quente dos itans africanos se veste no Brasil de uma energia fria das calungas e cruzeiros. Mas o silêncio é o mesmo, e prevalece tanto lá quanto cá.
Atotô é nosso pedido de silêncio em respeito a ele, senhor da morte (e, portanto, da vida). Omolu, em Umbanda, é velho. Tão velho quanto o mundo, tão frio quanto o bater de ossos na calunga à meia noite, e tão quente quanto a lava que habita o centro do planeta Terra.
Omolu é a terra, taciturna, que recolhe e decompõe os frios corpos. Obaluaê é o calor do solo quente e fértil, a reproduzir os grãos e semear a vida. E, portanto, é cura e peste.
A terra que dá a erva, o medicamento que o velho feiticeiro manipula em suas curas é a mesma terra que acolhe os ceifados. Em Umbanda, Omolu rege todas as linhas que cruzam com almas, exus de calunga e as linhas que viram banda na feitiçaria, como pretos velhos quimbandeiros e caboclos ganga.
Alguns poucos exemplos a citar:
Exus e pombogiras: falange dos caveiras e das almas -, Exu Caveira, Tata Caveira, João Caveira, Pombogira Rosa Caveira, Pombogiras de Praia (lembrando que praia também é terreno de Omolu, que reina sobre a terra, seu ponto de forças), Exu Omolu, 7 buracos, 7 Catacumbas, Exu das Almas, etc.
Caboclos ganga: Treme Terra, Vira Mundo, Gira Mundo, Bugre Feiticeiro, Araúna, Caboclo Africano.
Pretos velhos: todos com denominação “das almas”, além dos quimbandeiros, como Pai Cipriano, Areia Negra, Preta Mandinga, etc.
A feitiçaria tribal é reino de Omolu. E, portanto, de Anhangá, da mitologia guarani. A ira de Anhangá e sua regência sobre vida e morte, vive em Omolu de Umbanda, sendo Anhangá a única deidade que confronta Tupã. E Omolu também é nkisse, quando cantamos: “Hoje temos flor, Obaluaê, hoje temos flor, Inganã”.
Omolu e Obaluaê, em Umbanda setenária, são faces de uma mesma força. As almas e a calunga, juntas, como faces da morte e da vida.
Regências de Omolu trazem peso, o peso da ancestralidade, da terra, que se reflete nas pernas, nas dores e enfermidades nos membros, nas doenças infecciosas e problemas de pele, e reina sobre todos aqueles que trazem não apenas o peso de ancestralidade, mas uma mediunidade voltada à saúde, cura, regeneração. Uma mediunidade com característica de absorção de energias de ambiente e pessoas, como grandes pára-raios de espíritos errantes.
O peso da terra, da energia telúrica, o peso da herança ancestral, tudo isso é ressignificado na simbologia da cruz. Seja a cruz na testa de Anhangá, seja a cruz cristã, símbolo de sofrimento redentor.
Já discorremos anteriormente sobre almas, e o quanto essa linha é pesada, energeticamente falando. Todo o sofrimento exposto nessa linha tem por origem o sofrimento dos errantes, que vagam com fome, sede e frio, no astral.
Finalizaremos, com Obaluaê, o ciclo que iniciamos com os pretos Velhos. No calendário de Umbanda, as almas iniciam e terminam esta jornada de maio a agosto, num ciclo de quatro meses de um recolhimento interno, estando nós em um estado de contemplação e vigilância.
Em Umbanda, cultuar Omolu é cultuar nossas raízes ancestrais. É impossível alçar grandes vôos e mirar a orbe celeste de Oxalá sem antes reverenciar o chão de Obaluaê. É apenas pisando firme no chão que temos capacidade de mirar o sol.
Saravá, Senhor Obaluaê. Salve São Roque. Atotô!