Ensinada nas escolas como a Lei Áurea, que libertou os escravos em 1888 pelas mãos “bem intencionadas” de Princesa Isabel, a data de 13 de maio traz em si diversas questões de ordem sociopolítica que escapam aos livros didáticos do século XX.
Os movimentos abolicionistas de 1870 tinham como pano de fundo a pressão britânica pelo fim da escravidão em todas as nações traficantes do mundo ocidental.
“[…] tendo abolido a escravidão e o tráfico negreiro em 1807 – depois de séculos de transporte de escravos africanos para abastecimento de colônias hispânicas, portuguesas e até para suas próprias colônias – a Grã Bretanha inicia sua cruzada contra o comércio
transatlântico de escravos exercendo pressão em diversas nações traficantes através de
tratados e convenções, fazendo uso de um discurso liberal e humanitário.
Se por um lado há de se reconhecer a influência da camada abolicionista da
sociedade inglesa em tal empreitada, questionam-se as reais intenções do governo inglês,
considerando que a Grã-Bretanha havia desmontado seu sistema de mão-de-obra escrava em prol de sua revolução industrial, o que a colocaria em desvantagem na competição com
nações que faziam uso da mão-de-obra escrava.
[…] No Brasil, apesar de haver diferentes opiniões a respeito do instituto da escravidão,
havia certo consenso de que o fim do mesmo não deveria ser imediato. O próprio José
Bonifácio, famigerado abolicionista, era a favor de uma abolição gradual, que não
comprometesse o sistema econômico brasileiro e nem irrompesse uma revolução social como o temido levante negro de São Domingos.
Com a independência, não tendo mais o compromisso de seguir as convenções
celebradas com Portugal, o Brasil se vê livre para continuar com o tráfico negreiro. Porém,
sendo ainda a Grã-Bretanha influente na Europa (dada sua supremacia econômica e política), a mesma não reconheceria a independência brasileira enquanto o Brasil não assinasse nenhum tratado referente ao fim do tráfico de escravos. Por esta razão, os demais países europeus também não deram seu reconhecimento.
[…] Assim, o governo brasileiro se vê em um impasse, e, após muita relutância, celebra
com a Grã-Bretanha o Tratado de 1826, segundo o qual o Brasil se comprometeria com todos os termos dos tratados celebrados antes com Portugal, além de estabelecer um prazo de três anos após a ratificação para o total término do tráfico.”
O Tratado de 1826 culmina com a assinatura da Lei Áurea em 1888, uma falsa lei, já que, na prática, a escravatura teve sua continuidade, arrastando todas as gerações seguintes à fome, miséria, violência e todas as mazelas sociais possíveis, frutos de uma sociedade escravagista.
Tendo ciência de que 13 de maio não se trata de uma data de verdadeira libertação, por que então celebrá-la em nosso calendário Umbandista enquanto festejo de pretos velhos?
Ora, sabemos que nenhuma religião é bloco monolítico no espaço-tempo. Religiões estão passíveis de revisões, especialmente balizadas por transformações sociais. Enquanto Umbandistas do século XXI, tendo mais acesso à educação formal e acadêmica, temos uma certa obrigação até moral em revisar questões doutrinárias que resvalem em questões de ordem político-social.
No entanto, revisar não significa alterar ritos e adulterar tradições. Ter a ciência de que esta data seja problemática nos compele a quebrar certos conceitos sem necessariamente com isso alterar a força que esta data carrega, em sua potência egregária. Data de celebração, aliada à intenção é força, como bem sabem tantas civilizações, desde a Antiguidade.
Tenho ouvido dizer sobre uma proposta revisionista de alterar a data de celebração para 20 de novembro. Uma data recente e que tem seus méritos, mas que suscita a pergunta: qual a necessidade disso e quais frutos se colheriam de tal empreitada?
Se a intenção é trazer a reflexão sobre escravidão e racismo estrutural, que o façamos todos os dias em nossos terreiros, ocupando o espaço físico de forma a trazer nossa comunidade para estas reflexões, estimulando o debate e ações que cobrem políticas públicas a favor da população negra.
A Umbanda é uma religião sincrética, com grande influência da cultura dominante. E, justamente por isso, nos cabe reconhecer nossa participação na legitimação de estruturas de poder que perpetuam o racismo. Reconhecer e lutar pelo resgate da nossa cultura, nos posicionar e nos ater naquilo que mais importa: justiça e igualdade social.
O grito de liberdade evocado pelos nossos pontos até hoje é sufocado. O negro permanece escravo do racismo. No entanto, quando um preto velho entoa seu ponto de cativeiro, ele não está a se lamentar. Ele está, ainda, a reivindicar a liberdade do povo que ainda sofre com os grilhões da violência, da miséria e da opressão sistemática sobre nosso povo.
Quando louvamos 13 de maio, louvamos a esperança no amanhã. Louvamos o direito de todo ser humano ser… humano. Cantemos a plenos pulmões em cada 13 de maio, certos de que essa voz ecoará o tempo necessário em nosso país, no mundo, até que a equidade restaure a verdadeira igualdade e dignidade humana.
Salve 13 de maio! Saravá os Pretos velhos!
Salve o povo de Mina
Salve o povo de Angola
Salve o povo do Congo
Salve o povo do Cativeiro
Salve o povo do Cruzeiro
Salve o povo da Calunga
Salve o povo da Bahia
Salve o povo das Almas
Saravá todas as falanges de pretos velhos! IÊ PRAS ALMAS!
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Por Aline Camargo dirigente da Tenda de Umbanda Caboclo Risca Fogo e Tenda de Umbanda Caboclo Risca Fogo – Filial Caraguatatuba
Fonte da citação:
CAMARGO, Aline. A Diplomacia do Tráfico Brasileiro de escravos: a questão da soberania nacional frente à pressão inglesa exercida através do Tratado de 1826. São Paulo, 2012
Ilustração Angola Janga – Marcelo D’Salete.